Gustavo Cerbasi é reconhecido como uma das maiores referências em finanças pessoais do Brasil.
Mestre em Finanças pela USP, escritor de 16 livros (incluindo o best-seller “Casais Inteligentes Enriquecem Juntos”), sócio da SuperRico, consultor, palestrante e professor, Cerbasi tem transformado a maneira como os brasileiros enxergam sua relação com o dinheiro há mais de duas décadas.
Em uma entrevista esclarecedora, ele compartilhou insights valiosos sobre os princípios que norteiam sua abordagem em finanças pessoais, revelando como o minimalismo, o foco em experiências e uma visão clara de longo prazo podem criar uma vida financeiramente próspera sem sacrificar a felicidade no presente.
A revolução da educação financeira no Brasil
Quando Cerbasi começou sua trajetória, a educação financeira era um assunto restrito a especialistas e vista como algo técnico e entediante. “O que me incomodava era que os conteúdos financeiros, se fossem dominados pelas pessoas, transformariam melhor a sociedade”, explica ele sobre sua motivação inicial.
Sua abordagem revolucionária não foi planejada. Cerbasi começou respondendo dúvidas de leitores em seu site e, ao perceber padrões, organizava as respostas por temas. Foi assim que nasceu “Casais Inteligentes Enriquecem Juntos” em 2004, um livro que desafiou o tabu de falar sobre dinheiro a dois em uma sociedade onde o tema era considerado inadequado para casais.
“Era uma provocação falar de dinheiro a dois em 2004, uma sociedade machista, paternalista, onde o homem cuida do dinheiro e não conta para ninguém quanto ganha, e a mulher não precisa saber”, relembra Cerbasi. O livro não apenas melhorou relacionamentos, mas também deu certeza a muitos divórcios, ajudando pessoas a perceberem incompatibilidades financeiras fundamentais antes de seguirem adiante com um casamento.
Os cinco perfis financeiros e a harmonia nos relacionamentos
Um dos conceitos mais conhecidos de Cerbasi são os cinco perfis financeiros que ele identificou ao longo de anos respondendo dúvidas de leitores:
- Poupador: Aquele que só pensa no futuro, priorizando a segurança
- Gastador: Aquele que vive o presente intensamente, sem preocupações com o amanhã
- Financista: O organizador que controla tudo em detalhes, planilhas e anotações
- Descontrolado: Não sabe o que acontece com suas finanças e está sempre no vermelho
- Desligado: Não acompanha suas finanças, mas gasta menos do que ganha
A grande contribuição de Cerbasi foi mostrar que, em um relacionamento, não basta identificar os perfis – é preciso compreender que cada um tem suas qualidades e defeitos. “A proposta do ‘Casais Inteligentes’ é não neutralizar um perfil ou outro, mas entender quais são as qualidades de cada um”, explica.
Em seu próprio casamento, Cerbasi se identifica como um “financista gastador” (organiza seu dinheiro para viabilizar experiências), enquanto sua esposa Adriana é uma “desligada poupadora” (não gosta de controles, mas pensa no futuro). “Funciona muito bem a combinação”, reflete ele, explicando como os perfis complementares se equilibram nas decisões financeiras da família.
Minimalismo como ferramenta para uma vida mais rica
Um dos conceitos mais transformadores abordados por Cerbasi é o minimalismo como estratégia financeira. Diferente do que muitos pensam, ele não defende o minimalismo como filosofia de vida imposta a todos, mas como uma ferramenta para que o planejamento funcione.
“Se você não pratica o minimalismo, seu orçamento vai sempre sendo disputado por uma casa que você pode pagar, um carro que você pode ter, os gastos que você decidiu ter porque cabia no bolso. O maior inimigo da riqueza é o estilo de vida”, afirma Cerbasi.
Para ele, o minimalismo funciona como uma ponte para o essencialismo – gastar mais com o que realmente importa e menos com o supérfluo. “A gente pratica o minimalismo para a pessoa perceber que dá para ela viver com pouco. Se dá para viver com pouco, ela quer agora trazer algo interessante para a vida dela”, explica.
Essa abordagem foi testada em sua própria vida. Cerbasi e a esposa sempre mantiveram um estilo de vida simples, com um apartamento que custava cerca de 60% do que os amigos gastavam com moradia, mas investiam muito mais em viagens, restaurantes e experiências. Quando o primeiro filho nasceu, diferente do que muitos esperavam, o casal percebeu que gastava menos do que antes – o dinheiro que ia para experiências foi redirecionado para as necessidades da criança sem aumentar o orçamento total.
Educação financeira para os filhos: gincanas em vez de presentes
A abordagem de Cerbasi para educar financeiramente os filhos é igualmente revolucionária. Ele evita grandes presentes que podem acomodar os jovens e prefere desenvolver o que chama de “lógica da gincana” – transformar conquistas em desafios compartilhados.
“Quando a gente quer fazer uma grande viagem, em vez de tirar do patrimônio, tentamos aumentar o patrimônio no processo. Vamos tentar fazer uma poupança, eu vou trabalhar um pouco mais, todo mundo vai economizar um pouco mais”, explica sobre a dinâmica familiar.
Esse método ensina aos filhos que pequenos sacrifícios levam a pequenos resultados, e grandes sacrifícios a grandes resultados. “É o equivalente àquela criança que pede um brinquedo e o pai fala ‘não, não vai ganhar’. Em vez disso, fala ‘você não tem uma mesadinha? Dá um pedaço da sua mesadinha, eu vou juntar um pedaço de dinheiro, e quando a gente juntar o valor, a gente compra o presente'”, ilustra.
Para Cerbasi, o valor das experiências sempre foi priorizado em detrimento de bens materiais. Quando comprou uma casa de campo, o objetivo era ter um espaço para as crianças brincarem e praticarem esportes. Com o tempo, os filhos associaram celebrações e datas especiais não a presentes, mas a momentos compartilhados nesse espaço. “Eles entenderam que a festa é o momento de fazer algo novo, não de comprar algo novo”, reflete.
A ilusão do “morrer com zero” e a importância do excedente
Confrontando a tendência atual de “morrer com zero” (consumir todo o patrimônio em vida), Cerbasi oferece uma perspectiva mais equilibrada. Embora reconheça o mérito de calcular quanto se precisa acumular para garantir o padrão de vida até o fim da existência, ele alerta sobre os riscos de um planejamento muito justo.
“Acumular o suficiente para morrer com zero seria o mínimo que todos deveriam fazer”, pondera, mas acrescenta: “Se eu puder fazer melhor, eu aumento primeiro a tranquilidade”.
Cerbasi argumenta que manter o padrão de vida na velhice geralmente significa aumentar os gastos, não reduzi-los. “Quanto melhor a sua alimentação, mais cara ela vai ser com o passar do tempo”, exemplifica, lembrando que planos de saúde, itens de conforto, hospedagem em viagens, tudo tende a custar mais para garantir a mesma qualidade de vida com o avançar da idade.
Ele alerta sobre o perigo de calcular o patrimônio “na medida exata”, citando o caso de Jorginho Guinle, que após viver bem gastando sua fortuna até os 85 anos (idade que os especialistas haviam calculado para o fim de seus recursos), viveu mais nove anos dependendo de amigos. “O que eu não quero é que a pessoa comece a desenvolver ansiedade na hora errada, justamente por achar que viveu tão bem e agora, na melhor parte, vai faltar”, enfatiza.
O trabalho não vai te enriquecer: entendendo os lados do capitalismo
Um dos vídeos mais populares de Cerbasi traz uma provocação forte: “O trabalho não vai te enriquecer”. Ele explica que esta é uma realidade muitas vezes ignorada pelos trabalhadores.
“As pessoas não se tocam que trabalho nada mais é que uma oportunidade para pular pro lado melhor do capitalismo, que é o lado em que você é dono das escolhas, do capital, das decisões”, afirma.
Para Cerbasi, o bom trabalhador deve entender que seu papel não é enriquecer, mas tornar seu patrão mais rico, tornando-se tão valioso que cause “dor no coração” quando decidir sair. Paralelamente, esse trabalhador deve acumular capital para, em um momento oportuno, investir em negócios próprios ou em ativos que gerem renda.
“Quem vai te enriquecer é o patrimônio que você vai criar. Esse patrimônio te dá liberdade”, sintetiza, descrevendo a transição de trabalhador para empreendedor e, eventualmente, para investidor que delega a gestão do patrimônio.
Investimentos simplificados: resultados sem dedicação integral
Diferentemente de muitos influenciadores que, segundo Cerbasi, vendem estratégias de investimento que na verdade são estratégias de trabalho (exigindo dedicação quase integral), ele defende uma abordagem mais realista e equilibrada.
“Quem me procura não é o investidor profissional, não é alguém que quer trabalhar como investidor. A grande massa é professor, médico, consultor, mecânico, cozinheiro – pessoas que já têm uma rotina atribulada”, explica.
Sua metodologia envolve técnicas de previsibilidade, tratamento conservador da carteira, e balanceamento automático – comprando ativos quando estão baratos e vendendo quando estão caros, sem cultivar “paixões” por classes específicas de investimentos.
“Você tá sempre balanceando a carteira, sempre no automático, sem perder tempo. Pode olhar uma vez por mês a sua carteira, tomar decisão”, sugere Cerbasi, destacando que esse método permite superar consistentemente a renda fixa brasileira (que rende cerca de 6% ao ano acima da inflação) sem exigir conhecimentos avançados ou dedicação intensiva.
O futuro da educação financeira no Brasil
Refletindo sobre a evolução do mercado de educação financeira, Cerbasi identifica fases distintas: o pioneirismo inicial, seguido por um boom que trouxe muitos “palpiteiros” junto aos especialistas, resultando em orientações equivocadas que levaram muitos investidores a perdas.
Agora, com a moda esfriando e movimentos de regulação dos influenciadores financeiros, Cerbasi vê um momento de maturidade: “É um momento interessante em que a moda contribuiu muito pro país porque todo mundo ouviu falar de finanças. Hoje as pessoas têm um grau de amadurecimento financeiro muito maior”.
Ele enxerga um cenário promissor para os próximos 5-10 anos, com volume crescente de investimentos, crédito saudável e uma economia em crescimento – não por mérito de qualquer governo específico, mas pelo movimento da sociedade “para organizar o uso do dinheiro do brasileiro de maneira mais inteligente”.
Princípios atemporais em um mundo em constante mudança
O que torna o trabalho de Gustavo Cerbasi tão relevante, mesmo após 25 anos de carreira, é seu foco em princípios financeiros atemporais em vez de modismos passageiros. Suas principais lições são válidas independentemente da fase econômica ou das novas tendências de investimento:
- Entenda seu perfil financeiro e trabalhe com ele, não contra ele
- Pratique o minimalismo como caminho para o essencialismo
- Valorize experiências acima de bens materiais
- Ensine finanças aos filhos através do exemplo e da participação
- Construa um patrimônio que trabalhe para você
- Simplifique seus investimentos para ganhar tempo e tranquilidade
- Planeje com margem de segurança, nunca na medida exata
Esses princípios formam a base de uma vida financeira saudável e próspera, sem necessidade de conhecimentos complexos ou dedicação integral ao mundo dos investimentos. Como sintetiza Cerbasi: “Eu não prometo milagres, eu prometo tranquilidade.”
